sexta-feira, 22 de abril de 2011

Viúvo


Crônica de Oitto

Foi o fim após anos de convívio, nosso relacionamento que começou na adolescência acabou se tornado de dependência, tivemos tantos momentos felizes, tantas fotos, tantas recordações, a gente brigava como todo mundo ela dizia que eu a sufocava, as amigas dela diziam que eu tava matando ela, a gente passava um tempo sem si ver, mas ela sempre voltava, admito que ficando comigo ela se queimava, era ate meio prejudicial sabe? Pelos rótulos que me davam ela já devia imaginar o problema, mas que relacionamento não tem problemas?

Os amigos dela viviam falando pra ela me deixar, diziam que o que a gente tinha não era saudável, saca? Eles tinham medo que eu ferisse seu “coração”, mas a dona era de rocha, fiel, sempre dizia a mesma frase:

_ Cuida da tua vida! Sou maior e vacinada.

Mas nos últimos meses foi diferente, quer dizer nós rimos muito juntos, eu sempre estive com ela em todos os momentos felizes e tristes, principalmente os tristes, era quando eu e ela ficávamos mais ligados, quando ela mais precisava de mim, isso definia nossa vida juntos, eu a acompanhava, a ajudava a relaxar, enfrentar os problemas, mas ela adoeceu e me deixou e alguns meses depois faleceu, me deixou viúvo.

Eu a matei, engraçado justo eu... Matá-la, mas foi exatamente o que aconteceu, meu convívio com ela foi fatal, o que eu fiz com ela por anos se acumulou no seu peito a tal ponto, que ela não suportou mais e faleceu, a culpa é minha, mas já dei a volta por cima e estou em outro relacionamento, afinal já perdi as contas de quantas vezes fui viúvo. Como? Deixe eu me apresentar meu nome é CIGARRO, quer passar um tempo comigo? Vai reparar como é difícil me deixar...

Conheça o artista: www.myspace.com/oitto

Gota de uma nuvem negra


Lembro-me do cheiro que exalava a terra seca
Ao ser tocada por uma gota de chuva.
Dos cantos dos pássaros que transmitiam
Suas alegrias em forma de música

Vi os animais correndo de um lado ao outro
Juntos como se fosse dança
Nos rachões do chão corriam rios que se encontravam
E desaguavam no mar de minha esperança

O azul belo e triste do céu foi tomado
Por nuvens negras feitas pra chorar
Como um passe de mágica, vi um cinza dá lugar ao verde
A terra virá tapete e eu poder plantar

Num instante vi o mandacaru florar
E o aveloz ter suas forças renovadas
A cacimba foi bebendo e o lamento foi cessado
Em meu telhado: bicas d’água

O barro das paredes de minha morada foi se perfumando
Como se fosse incenso
Ajoelhado à imagem de Cristo menino
Chorei sorrindo em pleno agradecimento.

Pela enxada enlameada
ao cultivar o roçado
Pela cacimba com água
pra dar ao gado
Pelo verde do umbuzeiro
Pela rede e o candeeiro
Um balancer entre afagos

A lenha no quintal encharcada,
não é motivo de lamentação
Prefiro a lenha sem utilidade,
do que te-la e não ter feijão
Meu teto num tem modernidade
Um cheiro no cangote da veia a tarde
Só um radin de pilha é diversão

Minha vida é simples, sou trabalhador brasileiro
Pião com jibão tangendo garrote
Chamado de home do campo, valente sertanejo
Pião de boiadeiro, nordestino forte

Minha geladeira é um pote de barro
A água resfria, mas não gela
Se a dispensa estiver vazia, sem prato
Junto uns trocado e vou na bodega

Escambo do norte. Eu troco a saca de milho
Por farinha, sequilho, soda e manteiga
Andando uma légua e logo eu avisto
Que dia de domingo é dia de feira

Engraçado como a chuva nos traz felicidade
Minha parede tem imagem fazendo oração
Mesmo na seca alegria me invade
É a face da esperança e da fé no sertão

Aqui me despeço em verso fazendo reza
Pela prosa singela, milagre e beleza
Pela vida do céu que traz vida a terra
Obrigado pela gota de chuva daquela nuvem negra.


Poesia do livro "Coletânea escrita - Aborígine Incita"
Em breve